1 INTRODUÇÃO
O presente artigo está organizado de forma que seja possível uma percepção clara de como foi criada e como evoluiu a universidade no Brasil, desde o seu princípio, mostrando ao longo da história a participação fundamental do Governo Federal, influenciando, seja através de legislação específica, seja através de suas ações, o desenvolvimento do ensino superior, chegando aos dias atuais, com destaque especial para o período pós 1996, que tem relevância específica em razão das mudanças provocadas pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Parte-se do pressuposto de que as intervenções do Governo Federal sempre afetam o mercado, sendo que, em determinadas situações, a magnitude de suas ações pode abalar posições competitivas firmes dentro de um setor. Nesse rumo, pode ser indicado o programa de privatização, em que é evidente a turbulência no setor de telecomunicações e no setor bancário, apenas para apresentar dois exemplos.
Com temática centrada na evolução da universidade brasileira o estudo está dividido em capítulos, sendo que o Capítulo 2 trata da formação da universidade no Brasil do seu início até o final da década de 1930 e, o Capítulo 3, mostra a expansão e a modernização da universidade a partir de 1945. O Capítulo 4 aborda a universidade a partir de 1960 e, o Capítulo 5, a partir de 1996. O Capítulo 6 trás uma conclusão possível desta evolução.
2 A FORMAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL
A partir das analises de Steger (1970), Tedesco (1985), Trindade (1997) e Cunha (1998) observa-se que, diferentemente de outros países da América Latina que desenvolveram o ensino superior desde o século XVI, o Brasil tem uma história bastante recente. Naquele século, países como o Peru (Universidad San Marcos), o Chile (Universidad San Filipe) e a Argentina (Universidad de Cordoba) já possuíam o ensino universitário, enquanto no Brasil as universidades foram instituídas apenas no século XX.
Cabe destacar, ainda, uma relevante característica histórica: a de que o ensino superior brasileiro, além de um início tardio e descontínuo, é marcado pela instituição de escolas superiores e não de universidades.
Chegando ao Brasil em 1549, juntamente com o Governador-Geral Tomé de Souza, o primeiro grupo de jesuítas, chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, iniciou suas atividades de pregação da fé católica e do ensino religioso. No ensinamento da doutrina católica e dos costumes europeus, ministravam ao mesmo tempo, conhecimentos sobre as primeiras letras e sobre a gramática latina. Espalharam-se primeiro para o sul, depois para o norte do país. Organizaram, nas aldeias, escolas de ler e escrever. Penetraram mais tarde, com facilidade, na casa-grande, na senzala e nas casas dos colonos. Criaram colégios e seminários nos pontos mais importantes do país.
Os cursos de Letras Humanas e o de Filosofia e Ciências eram considerados de nível secundário, sendo os de Teologia e Ciências Sagradas tidos como de nível superior pelos seus elevados índices de exigência acadêmica, embora não possuíssem o status universitário, que era um privilégio da metrópole. Esses cursos de Teologia e Ciências Sagradas se destinavam principalmente à formação de sacerdotes. Assim, não optando pela carreira eclesiástica, os jovens que concluíssem o nível secundário e que pretendessem continuar os estudos, deveriam fazê-lo na Europa, tendo como principais universidades a de Coimbra, em Portugal (ciências jurídicas), e a de Montpellier, na França, mais procurada em Medicina (Piletti, 1996).
É bastante evidenciada a presença do governo português, na segunda metade do século XVIII, na administração do então primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho de Melo – o Marquês de Pombal, quando expulsou os jesuítas do império português, sob a alegação de oposição ao controle do governo. Através do alvará de 28 de junho de 1759, suprimiu as escolas jesuíticas, tanto de Portugal como de todos os seus domínios, criando uma profunda crise no sistema educativo. A partir daí, pouco ou quase nada merece registro no ensino superior naquele século.
No século XIX, um fato importante para o ensino superior foi a transferência da Família Real portuguesa para o Brasil, o que passou a exigir maior organização da sociedade política no país, especialmente na formação das elites dirigentes e na preparação de quadros militares e técnicos. As autoridades preocuparam-se mais com a criação de escolas superiores e com a regulamentação do acesso. Surgem as academias militares encarregadas da formação de profissionais militares e de engenheiros e os cursos de agronomia, arquitetura, química, desenho técnico, dentre outros. É inegável a contribuição trazida pela presença da Família Real para o início da educação superior no Brasil. Para Cunha (apud Hardy e Fachin, 1996), “é fato assente que a educação superior no Brasil iniciou formalmente em 1808 com a criação do embrião de duas escolas de medicina, no Rio de Janeiro e na Bahia”.
Segundo Hardy e Fachin (1996, p. 207), “a presença da Corte Portuguesa, em nosso meio, gerou necessidades, e o movimento de busca de prestígio que vem junto com o ensino superior também uma prática presente na expansão recente do ensino superior nas décadas de 60 e 70”.
Destaca-se o papel do governo no interesse pela formação das elites dirigentes do país, quando o príncipe regente Dom João criou, no Rio de Janeiro, a Academia da Marinha e os Cursos de Anatomia e Cirurgia em 1808; a Academia Real Militar em 1810; o laboratório de Química em 1812; o Curso de Agricultura em 1814; a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em 1816; e, na Bahia, o Curso de Cirurgia e a cadeira de Economia em 1808; o Curso de Agricultura em 1812; e os Cursos de Química e de Desenho Técnico em 1817.
Juntaram-se às escolas criadas pelo Príncipe Regente após a Independência, os Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, por lei de 11 de agosto de 1827, sendo as duas primeiras Faculdades de Direito do Brasil, instaladas em São Paulo (no Convento de São Francisco, em 1o de março de 1828) e em Olinda (no Mosteiro de São Bento, em 15 de maio daquele ano).
Para Martins & Martins (1999, p. 192), a “(…) independência do país, no contexto de afirmação do Estado Nacional, impulsionou o desenvolvimento do sistema de educação superior, sob a responsabilidade do governo central”. Veja-se que a Lei no 16 de 16 de agosto de 1834 reservou à União o monopólio dos estudos superiores, ficando com as províncias o poder de legislar sobre o ensino primário e o secundário.
São os próprios Martins & Martins (1999, p. 192) que afirmam que “parece haver consenso de que o desenvolvimento do sistema de ensino superior no período imperial se inspirou no modelo francês do século XIX, centrado em instituições isoladas. As doutrinas francesas influenciaram marcadamente o pensamento português e, mais tarde, o brasileiro, como legitimadoras do poder monárquico nos dois Estados. De outro lado, o positivismo francês foi adotado pelos teóricos da educação brasileira, que se opuseram fortemente à criação de universidades no Brasil, consideradas como centros reacionários e conservadores”. (original sem grifo).
Assim, ao final do período imperial, não havia no Brasil uma universidade, existindo apenas escolas isoladas de nível superior, podendo-se registrar as Faculdades de Direito de São Paulo e do Recife, as Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador e a Escola de Engenharia do Rio de Janeiro (Piletti, 1996).
No período de 1889 a 1930, conhecido como a Primeira República, colocou-se em discussão o modelo educacional herdado do período imperial. No início desse período, quando ainda foram mantidos os modelos de instituições e faculdades isoladas, verificou-se uma importante expansão da educação superior. Aqui, também, notou-se o forte papel do governo que, com a adoção do sistema federativo, forçou a organização das estruturas das unidades do Estado, motivando a formação de pessoal para o atendimento da burocracia governamental.
Surgiram vinte e sete novas escolas superiores nos vinte primeiros anos da República, sendo nove na área de saúde; oito de Direito; quatro de Engenharia; três de Economia; e outras três de Agronomia, sendo que, segundo Cunha (1989), uma parcela importante dessas escolas era mantida pela iniciativa particular, chamadas de faculdades livres, que constituíam um setor específico do sistema educacional.
Observa-se que o parágrafo 24 do artigo 72 da Constituição de 1891 passa a garantir o “livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial”, estando aí consubstanciado o direito de os particulares se dedicarem à educação.
É importante notar que a educação superior continuou evoluindo, nesse período, voltada para as elites, contemplando especialmente a formação profissional, sem quaisquer preocupações com a investigação científica. (Piletti, 1996).
Existem registros de que a primeira instituição de ensino denominada “universidade” foi a Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1920. Entretanto, essa foi tão somente uma formalidade para a concessão do título de doutor honorífico ao então Rei Alberto I da Bélgica, tratando-se somente da junção de três escolas isoladas sob a denominação de “universidade” (Boaventura, 1986; Fávero, 1977 apud Hardy e Fachin, 1996). Ainda nesse particular, confirma Antunha: “Sabe-se que a Universidade do Rio de Janeiro foi criada em 1920, em virtude da necessidade de ser outorgado o título de Doutor Honoris Causa ao Rei Alberto I, da Bélgica, como parte das homenagens que deveriam ser prestadas, protocolarmente, por ocasião de sua visita oficial, inserindo no quadro das comemorações do Centenário da Independência” (Antunha, 1974; p.53, nota 1.) .
Existem, também, registros de várias tentativas de criação de universidades, sem qualquer relação oficial com o Governo, não obtendo, porém, êxito. Estreitamente relacionada ao ciclo da borracha na região mais ao norte do país, foi criada, em 1909, a Universidade de Manaus, sendo suas atividades encerradas logo a seguir, em 1926. Criada por particulares, surgiu em 1911 a primeira Universidade de São Paulo, perdurando apenas até 1917, quando encerrou suas atividades em decorrência do grande número de faculdades oficiais na cidade de São Paulo naquela época.
Durante o período da Primeira República, segundo Piletti (1996), foram mantidas características semelhantes às do período imperial, constituindo-se de escolas superiores isoladas, subordinadas a uma legislação federal, com predomínio para o ensino profissionalizante. Merece destaque, nesse período, a criação de três escolas superiores em São Paulo: a Escola Politécnica em 1896; a Escola Superior de Agricultura de Piracicaba, em 1905; e a Faculdade de Medicina, em 1913.
Em 1925, em Minas Gerais, o então presidente (estadual) Melo Viana propôs ao Congresso (estadual) a criação da Universidade de Minas Gerais, resultante do aproveitamento dos cursos superiores já existentes em Belo Horizonte, representados pela Faculdade Livre de Direito; pela Faculdade de Medicina; pela Escola de Engenharia; pelo Instituto de Química Industrial; pela Escola de Odontologia e Farmácia; e pela Escola Mineira de Agronomia e Veterinária. Acolhida com entusiasmo, a criação da universidade foi autorizada pela Lei Estadual no 895/25, entretanto somente tornou-se uma realidade dois anos depois, através da Lei Estadual no 956 de 7 de setembro de 1927 e somente dois anos mais tarde foi reconhecida pelo Governo Federal através do Decreto no 7.921 de 1929 (Niskier, 1995).
O Governo Provisório, chefiado por Getúlio Dorneles Vargas, empossado em 3 de novembro de 1930, em razão de declarados compromissos com a educação nacional, criou, através do Decreto no 19.402 de 14 de novembro de 1930, o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, nomeando para titular Francisco Luiz da Silva Campos, político mineiro com destacada atuação e que contribuiu para a fundação da Universidade de Minas Gerais.
Em 11 de março de 1931, através do Decreto no 19.850, foi criado o Conselho Nacional de Educação, com função específica de servir ao ministério como órgão consultivo para assuntos relativos ao ensino e, em 11 de abril do mesmo ano, com o Decreto no 19.851, que ficou conhecido como o Estatuto das Universidades Brasileiras, ficou claro e patente que o ensino superior teria atenção especial do Governo Provisório. Mais importante ainda, com a promulgação desse Decreto, superou-se definitivamente a fase das escolas superiores isoladas e começaram a ser criadas e a funcionar, de fato, as universidades brasileiras, o que pode ser considerado como o verdadeiro momento de nascimento das universidades no Brasil.
É possível destacar do texto legal (Decreto no 19.851/31) alguns dispositivos de tamanha importância e magnitude que se constituíram um marco indelével na história do ensino superior no país. Diz inicialmente que: “O ensino superior no Brasil obedecerá, de preferência, ao sistema universitário…” (original sem grifo), para, em seguida, no artigo 6o, estabelecer a forma de criação e de manutenção: “As universidades brasileiras poderão ser criadas e mantidas pela União, pelos Estados ou sob a forma de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades federais, estaduais e livres”.
A partir daí, no dia 25 de janeiro de 1934, através do Decreto no 6.283, assinado em São Paulo pelo então interventor Armando de Sales Oliveira, foi criada a Universidade de São Paulo, considerada, na realidade, a primeira universidade a funcionar no Brasil já estruturada com uma concepção de integração de ensino e pesquisa. Nessa época, a Universidade de Minas Gerais já havia tido sua autonomia cassada pelo Governo Provisório, ocorrida a 30 de dezembro de 1930 pelo Decreto no 19.547.
Também em 1934 foi criada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul a Universidade de Porto Alegre (a qual passaria à Universidade do Rio Grande do Sul em 1949) que, nessa ocasião, “era essencialmente um conjunto de escolas independentes criadas no final do século 19, incluindo a Faculdade de Medicina (criada em 1898) e as escolas de Engenharia (1896) e de Direito (1900).” (Hardy e Fachin, 1996, p.207).
Em seguida, em 1935, no Rio de Janeiro, foi criada a Universidade do Distrito Federal que, quatro anos depois, por força do Decreto no 1.036 de 20 de janeiro de 1939, foi absorvida, por razões políticas, pela Universidade do Brasil, também no Rio de Janeiro, criada pela Lei no 452 de 5 de julho de 1937.
Nesse período, como resultado da aliança entre a igreja e o regime em vigor, foram criadas, com o apoio do Poder Público, as instituições católicas de ensino superior: daí surgiriam as futuras Universidades Católicas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Já no Estado Novo, resultante do golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, o então ditador Getúlio Vargas apresenta uma nova Carta Constitucional, baseada na Constituição polonesa, centralizando todo o poder em suas mãos. Com o fechamento do Congresso Nacional, o Ministério da Educação e Saúde – tendo sido mantido o Ministro Gustavo Capanema -, passou a dispor de maior liberdade de ação, fazendo seus encaminhamentos diretamente ao presidente, sem as formalidades anteriores de proposituras ao Poder Legislativo. Em 1938, foi organizado o INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, cuja direção foi entregue a Anísio Teixeira, tendo como atribuição principal funcionar como centro de estudo de todas as questões educacionais relacionadas com os trabalhos do Ministério da Educação.
A organização e o funcionamento dos cursos superiores passaram a depender de autorização prévia do Governo Federal, sendo o pedido encaminhado ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de Educação, antes de ser submetido ao presidente da República, na forma do que dispunha o Decreto-lei no 421 de 11 de maio de 1938. A autorização para funcionamento, como estabelecia o artigo 3o do mesmo dispositivo legal, era de caráter condicional, não implicando de forma alguma em reconhecimento federal.
3 EXPANSÃO E MODERNIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO BRASIL A PARTIR DE 1945
O período do governo interino do presidente José Linhares, apesar de contar com somente três meses de mandato, foi de importantes decisões para a educação, com a evidente influência do Ministro da Educação, professor Raul Leitão da Cunha, e do Ministro da Justiça, Sampaio Dória, homem ligado aos problemas educacionais do país.
Diante da ausência de Poder Legislativo, o presidente interino continuou a exercer suas funções através de atos executivos, efetuando, no âmbito do ensino superior, a implementação de medidas importantes.
A Universidade do Brasil, através do Decreto-lei no 8.393 de 17 de dezembro de 1945, passou a gozar de autonomia administrativa, financeira, didática e disciplinar.
O Estatuto das Universidades Brasileiras, por força do Decreto-lei no 8.457 de 26 de dezembro de 1945, teve seu artigo 5o substituído, passando a determinar que as universidades brasileiras deveriam “… congregar, em unidades universitárias, pelo menos três instituições de ensino superior…” para mais adiante dispor que pelo menos duas daquelas instituições fossem Faculdade de Filosofia, Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina e Faculdade de Engenharia. As alterações do artigo 5o visavam também à garantia do funcionamento normal dos cursos e à plena eficiência das atividades universitárias, ao exigir que as universidades deveriam “dispor de recursos financeiros concedidos pelos poderes públicos, por instituições privadas e por particulares”.
Em 15 de janeiro de 1946, através do Decreto-lei no 8.681, a Universidade Católica do Rio de Janeiro foi reconhecida. No dia 16, foram incorporados à Universidade do Brasil o Instituto de Tecnologia Alimentar, o Instituto Osvaldo Cruz, o Instituto Nacional de Puericultura e o Museu Nacional; no dia 24, a Faculdade Nacional de Ciências Econômicas. Em 26 de janeiro de 1946, o Decreto-lei no 20.445 aprovou o Estatuto da Universidade do Brasil e, ainda nesse período, foi federalizada a Faculdade de Direito do Ceará.
Em 31 de janeiro de 1946, tomou posse o presidente Eurico Gaspar Dutra e, em 18 de setembro de 1946, o Brasil passou a ter sua quarta Constituição do período republicano. Essa quarta Carta Magna, em seu Capítulo II do Título VI, tratou especificamente da educação e da cultura, caracterizando-se por sua objetividade, superior à Constituição anterior. Em seu artigo 5o, inciso XV, alínea “d”, foi assinalada a competência da União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Tal dispositivo possibilitou ao então Ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani, a designação, em 29 de abril de 1947, de uma comissão encarregada de organizar o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Constituída e instalada, a comissão, sob a presidência de Manuel Bergsttröm Lourenço Filho, com participação destacada de antigos liberais como Almeida Junior, Joaquim Farias Goes Filho e Celso Kelly e com a colaboração de Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, apresentou o projeto que contemplou, entre outros temas importantes, a questão da descentralização do sistema educacional, acabando com o princípio falacioso da uniformidade pedagógica e criando o da equivalência pedagógica. Contemplou a autonomia universitária, a organização dos currículos, a flexibilidade e a articulação de cursos, as condições para funcionamento dos estabelecimentos de ensino e as atividades extracurriculares. O anteprojeto de 88 artigos, acompanhado da Exposição de Motivos, foi apresentado pelo Ministro da Educação ao Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, 18 meses após a instalação da comissão, no dia 28 de outubro de 1948.
As discussões sobre o projeto iniciaram-se com o parecer preliminar do então deputado Gustavo Capanema no dia 14 de julho de 1949, sendo razão de inúmeros e acalorados debates, tendo desaparecido, para ser recomposto, em 1951; em 1952 foi complementado por um outro projeto da Associação Brasileira de Educação; nos anos de 1955, 1958 e 1959, o deputado Carlos Lacerda propôs substitutivos; em 1957, o então Ministro da Educação Clóvis Salgado solicitou colaboração dos educadores Pedro Calmon, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Almeida Júnior para que fosse atualizado e modificado o projeto inicial naquilo que se mostrasse necessário.
Finalmente, 13 anos depois, em 20 de dezembro de 1961, o projeto foi transformado na Lei no 4.024/61 que, entretanto, sofreu veto do Presidente João Goulart, total ou parcialmente, em 25 artigos, todos eles restabelecidos pelo Congresso Nacional em 14 de dezembro de 1962.
Enquanto as discussões sobre o projeto de lei das diretrizes e bases da educação nacional se desenrolavam, no âmbito do ensino superior, outros fatos importantes para o desenvolvimento da universidade no país merecem registro.
A partir da necessidade de pessoal altamente qualificado para a indústria aeronáutica que se iniciava no país, o Brigadeiro Casimiro Montenegro Filho, da Força Aérea Brasileira, e o professor Richard H. Smith, do Massachusetts Institute of Technology, criaram o Centro Técnico de Aeronáutica que trazia em seu projeto um Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Deram forma ao ITA as seguintes inovações acadêmicas: não havia a cátedra vitalícia e a contratação dos docentes era realizada através da legislação trabalhista, que permitia o desligamento em caso de não corresponderem ao que deles era esperado; havia uma carreira docente estruturada; a unidade básica era o departamento; professores e estudantes residiam no campus com dedicação exclusiva, sendo que os professores estavam o tempo todo à disposição dos acadêmicos, independente do horário de aulas; currículo flexível, conforme as necessidades e disponibilidades docentes; havia um ciclo básico de dois anos para todos os cursos e, além de tudo isso, ainda se estimulava a investigação e a pesquisa, especialmente nos cursos de pós-graduação, visando a formação de novos docentes e de pesquisadores.
Em 19 de dezembro de 1949, através da Lei no 971, foi federalizada a Universidade de Minas Gerais e, no Rio de Janeiro, a Câmara Municipal aprovou a criação, através da Lei no 547 de dezembro de 1950, de uma nova universidade do Distrito Federal, composta, inicialmente, por quatro instituições de ensino superior. Dessa Universidade do Distrito Federal originou-se a atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que antes fora chamada de Universidade do Rio de Janeiro e de Universidade do Estado da Guanabara.
Em seu último mês de mandato, o General Dutra ainda sancionou a Lei no 1.310, em 15 de janeiro de 1951, criando o Conselho Nacional de Pesquisas (lei que foi regulamentada pelo Decreto no 29.433), com a finalidade básica de “promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica em qualquer domínio do conhecimento”.
A Universidade de Brasília, autorizada a instituir-se pela Lei no 3.998 de 15 de dezembro de 1961, sob a denominação de Fundação Universidade de Brasília, era considerada na época um símbolo do ensino superior modernizado. Foi a primeira universidade que não teve sua origem decorrente da junção de outras instituições isoladas, tendo nascido de um plano bem definido, com institutos, centros e faculdades e, embora tenha sido criada pelo Governo Federal, não teve forma de autarquia, mas sim, de fundação, um modelo que foi copiado pelas outras universidades federais que se seguiram (Cunha, 1989). Sobre esse particular, escreveram Hardy e Fachin (1996) que “as universidades federais eram constituídas como autarquias ou fundações públicas, estas últimas constituindo um surto que se expandiu no país após a criação da Universidade de Brasília, como fundação, em 1962, tendo, como suposto, uma pretendida autonomia maior desta forma jurídica em relação à forma autárquica, um dos quais a capacidade de estabelecer escalas salariais diferenciadas de pagamento para seus funcionários” (Hardy e Fachin, 1996; p.15).
Em período idêntico ao da modernização referenciada por Cunha (1989), apenas iniciando pouco mais de um ano antes, ou seja, do final de 1945 até a votação da Lei de Diretrizes e Bases, em 1961, ocorre também uma massificação do ensino superior no Brasil (Niskier, 1995). O ensino superior no Brasil, em 1945, possuía cinco universidades, sendo elas a Universidade do Brasil, a Universidade de São Paulo, a Universidade de Minas Gerais, a Universidade Católica do Rio de Janeiro e a Universidade de Porto Alegre, todas formadas pela aglutinação de outros estabelecimentos isolados. No início dos anos 60, além das faculdades isoladas, espalhadas por todo o país, contava-se com mais de trinta e cinco universidades, com um total de 93.202 alunos em 1960, sendo que, em 1964, já eram 142.388 estudantes matriculados, contra os 27.253 estudantes matriculados em 1945 (Cunha, 1989 e Piletti, 1996).
Nesse período (1945-1961), foram criadas no Brasil 28 instituições universitárias, sendo 17 Universidades Federais (as de Alagoas, da Bahia, do Ceará, do Espírito Santo, de Goiás, de Juiz de Fora, do Pará, da Paraíba, do Paraná, de Pernambuco, Rural de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, de Pelotas, de Santa Maria, Fluminense, de Santa Catarina e a atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro); 8 Universidades Católicas (as de Salvador, de Minas Gerais, do Paraná, de Pernambuco, de Petrópolis, de Campinas e as PUC do Rio Grande do Sul e de São Paulo), além da Fundação Universidade do Maranhão, Universidade Mineira de Arte e Universidade Mackenzie (São Paulo).
4 A EVOLUÇÃO DA UNIVERSIDADE E A LEGISLAÇÃO APLICADA A PARTIR DE 1960
Em 21 de abril de 1960, o Poder Executivo passou sua sede para Brasília, nova capital do país. O presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, então instalado no novo Distrito Federal, foi o responsável por uma formidável ampliação do mercado de trabalho, decorrente do modelo desenvolvimentista adotado. O reflexo foi sentido por vários anos subseqüentes. O aumento da demanda por pessoal especializado, com alto nível de escolarização, tanto decorrente do crescimento acelerado das empresas, quanto da necessidade de pessoal por parte da burocracia estatal, aliado ao desejo comum de se chegar a uma posição social mais elevada, causou uma inevitável pressão do ensino superior. O crescimento do ensino de segundo grau se constituía em um outro fator de forte pressão ao ensino superior, implicando em um número crescente de candidatos por cada vaga oferecida nos vestibulares. Com isso, a cada ano, um maior número de candidatos acabava sem acesso ao ensino de terceiro grau. (Niskier, 1995).
Nessa época, especialmente no ano de 1961, havia uma intensa agitação política. Findo o mandato do presidente Juscelino Kubitschek, assumiu o presidente eleito Jânio Quadros, considerado um fenômeno populista que protagonizou uma ascensão popular sem igual. Seu governo, porém, durou pouco, sendo interrompido por sua renúncia em 25 de agosto de 1961, em circunstâncias que até hoje não foram inteiramente esclarecidas. O vice-presidente João Goulart assumiu a presidência da República, não sem antes ser impugnado pelos três ministros militares. Contra tal veto surgiu uma ampla manifestação popular, sendo que a reação mais enérgica veio do Rio Grande do Sul, através do então governador Leonel Brizola. Diante dos riscos até de uma insurreição armada, surgiu uma composição, estabelecendo-se o sistema parlamentarista de governo, com considerável diminuição dos poderes do presidente, tendo Tancredo Neves assumido o cargo de primeiro-ministro.
Adicionado a tudo isso, no dia 20 de dezembro de 1961, foi sancionada pelo Presidente da República, seu primeiro-ministro e por todo o ministério a Lei no4.024, que estabelecia as diretrizes e bases da educação nacional.
Havia uma forte pressão exercida pela sociedade por uma expansão do ensino superior. Para o Padre José de Vasconcellos, presidente da Associação de Educação Católica do Brasil, a lei de diretrizes e bases “representou, por anos a fio, uma grande esperança para os educadores. A longa e laboriosa tramitação no Congresso Nacional e as discussões apaixonadas que suscitou, deram ainda maior relevo a este sentimento comum” (Vasconcellos, 1968; p.5).
Sobre essa pressão popular, escreveu Cunha (1989; p.109) que as “forças sociais, políticas e econômicas que determinaram a expansão, a integração e até mesmo a modernização do ensino superior se opuseram às forças defensoras do estado de coisas reinantes, em particular, do ensino elitista e arcaico”. E completa o mesmo autor que o “efeito contraditório dessas forças fez com que no mesmo ano em que era criada a Universidade de Brasília, promessa de significativa expansão de vagas e renovação dos métodos de ensino e pesquisa, fosse promulgada a lei de diretrizes e bases da educação nacional, reforçando uma concepção oposta de ensino, principalmente no grau superior”.
O motivo de maior oposição dos defensores do ensino público e gratuito estava estampado no Título III da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tratava “Da Liberdade do Ensino” e, sobre esse assunto, Cunha (ob. cit., pág. 132) escreveu que a nova Lei “legitimava as principais reivindicações dos interesses privativistas, denominados interesses da ‘liberdade do ensino’, objeto, aliás, de todo um título do texto legal”.
Naquela oportunidade, o presidente da União Nacional dos Estudantes também se manifestou a respeito dessa “Liberdade do Ensino”, dizendo não poder “esconder sua decepção diante do sancionamento da atual Lei de Diretrizes e Bases, ainda privativista no seu estilo e forma, e por isso lesiva aos interesses populares que só poderão ser atendidos pela Escola Pública, gratuita e democrática…” (UNE, 1962; p.11).
De outro lado, entusiastas da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação se manifestavam, como, por exemplo, o professor Newton Sucupira. Segundo Niskier (1995), para esses entusiastas, o ponto básico e inspirador da Lei residia “no princípio da autonomia da escola, ou seja, o poder de se organizar e dirigir suas atividades segundo normas por ela própria elaboradas”, acrescentando ainda que os pessimistas alegavam que o excesso de liberdade poderia “tornar ainda mais mercantil o ensino privado, pois o professor não resistiria à pressão do diretor inconsciente que o obrigasse a fazer passar determinado aluno, mesmo que não tivesse condições para tal. Isso é raciocinar pelas possíveis exceções à regra. Na verdade, a análise da Lei de Diretrizes e Bases revela mais aspectos positivos do que negativos. O incentivo a um ensino mais flexível, a fim de se tornar mais eficiente; a melhor noção de equivalência dos cursos; a determinação de elevar o padrão universitário; a flexibilidade curricular, além dos fatores mencionados anteriormente – tudo isso resultou numa grande transformação de mentalidade na educação brasileira”. (Niskier, 1995; p.334).
De fato e de direito, entretanto, a sociedade brasileira, a partir de então, passou a conviver com o novo diploma legal, a despeito dos pensamentos e das manifestações contrárias ou favoráveis de uns ou de outros segmentos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 4.024/61) tinha seus objetivos estampados logo no início, em seu artigo 1o, quais sejam: “a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem; c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade internacional; d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e sua participação na obra do bem comum; e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio; f) a preservação e expansão do patrimônio cultural; g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer preconceitos de classe ou de raça”.
Para Cunha (1989), como já se disse, o diploma legal legitimava as principais reivindicações dos interesses privativistas, denominados interesses da “liberdade do ensino”, sendo objeto, aliás, de todo um título da Lei. É o que consta do Título III, artigos 4o e 5o da Lei. O artigo 4o assegura a “todos, na forma da lei, o direito de transmitir seus conhecimentos” e o artigo 5o assegura a todos os estabelecimentos de ensino, sejam eles públicos ou privados, a representação nos conselhos de educação do Estado e o reconhecimento dos estudos neles realizados.
Em verdade, o que pareceu causar maior impacto foi a equiparação do ensino privado ao ensino público e gratuito. Ao ensino privado foi impingida a pecha de mercantilista, como se esse fosse um grande defeito que tornasse o ensino das instituições privadas impróprio. É certo, também, que na oportunidade havia um agravante representado pela enorme quantidade de jovens aptos a ingressar no ensino superior que não dispunha de muitas vagas por deficiência do sistema. Como muitos alunos não tinham condições financeiras de assumir os encargos do ensino pago, a falta de criação de oportunidades pelo poder público gerou indignação entre os estudantes.
Quanto às preocupações privativistas, não havia razão bastante para fazer prosperar um movimento de maiores proporções, posto que a oportunidade da iniciativa privada na atividade de ensino já havia sido tratada anteriormente, desde 11 de abril de 1931, através do Decreto no 19.851 – Estatuto das Universidades Brasileiras, no qual estava evidente e pacífica a universidade particular.
Pela LDB de 1961, o Conselho Federal de Educação passa a ter um grande poder controlador, dependendo somente de homologação do Ministro da Educação para legitimação de seus atos.
Na forma estabelecida pelo artigo 9o, o Conselho Federal de Educação (CFE) passou a decidir sobre o funcionamento dos estabelecimentos isolados de ensino superior, fossem estes oficiais ou particulares, de modo que o reconhecimento das universidades dependia da aprovação dos seus estatutos, o mesmo acontecendo com os estabelecimentos isolados de ensino superior, que somente poderiam pleitear o seu reconhecimento após dois anos de funcionamento regular.
O poder do CFE permitiu, ainda, a intervenção em qualquer universidade ou instituição isolada de ensino superior, oficial ou particular, inclusive nomeando reitor temporário, chamando para si próprio as atribuições relativas aos Conselhos Universitários (artigo 84). Também ficaram sob a determinação do CFE a duração e o currículo mínimo obrigatório dos cursos superiores (artigo 9o, alínea “e”) sendo o assunto objeto de outras considerações mais adiante, quando será tratado sobre o artigo 70.
Especificamente quanto aos objetivos do ensino superior, declarou a Lei, em seu artigo 66, que o “ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes, e a formação de profissionais de nível universitário”, firmando a seguir a validade em todo o território nacional dos diplomas expedidos pelas universidades ou pelas instituições isoladas, oficiais ou reconhecidas.
Quanto à estrutura do ensino superior, a previsão legal era que ele deveria ser ministrado em estabelecimentos agrupados ou não em universidades, com o apoio de institutos de pesquisa e centros de treinamento profissional.
Percebe-se que a Lei (LDB/61), parece que, por extrema cautela do legislador, faz até um extenso detalhamento sobre o campo de atuação do ensino superior, quando declara, no artigo 69, os cursos que lhe são de competência, como sendo de graduação (alínea “a”), para aqueles candidatos que houvessem concluído o ensino médio (segundo grau) e aprovados nos exames de vestibular e de pós-graduação (alínea “b”), evidentemente, para os que concluíssem a graduação. Nesse detalhamento de competência, é relevante o dispositivo constante da alínea “c” seguinte, em que o legislador deixa de ser específico e passa a permitir que as instituições de ensino superior ministrem cursos de “especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros a juízo do respectivo instituto de ensino, abertos a candidatos com o preparo e os requisitos que vierem a ser exigidos” (original sem grifo).
O acesso ao ensino superior dar-se-ia através dos concursos de habilitação (vestibular), aos quais poderiam se inscrever para qualquer curso superior todos os que concluíssem quaisquer dos cursos de nível médio (segundo grau), sem preferência de formação.
No artigo 70, foi estabelecido que o currículo mínimo e a duração dos cursos seriam fixados pelo Conselho Federal de Educação. Aqui vale o registro do comportamento do Governo Federal quando do veto ao parágrafo único. Dizia aquele parágrafo vetado que a “modificação do currículo ou da duração de qualquer desses cursos em um ou mais estabelecimentos integrantes de uma universidade, depende da aprovação prévia do mesmo conselho, que terá a faculdade de revogá-la se os resultados obtidos não se mostrarem vantajosos para o ensino”. Vetando em todos os termos, manifestou-se o Governo Federal nas razões do veto que o caput do artigo 70 já exigia “currículo mínimo e anos previstos de duração fixados pelo Conselho Federal de Educação para os cursos cuja diplomação assegure privilégios, o que constitui o máximo de regulamentação admissível em face da autonomia universitária. Pelo parágrafo único as exigências atingem a extremos ao impor autorização prévia do mesmo Conselho para qualquer modificação no currículo ou na modificação dos cursos. A experiência brasileira indica que nada ganhamos com a regulamentação rígida do ensino superior até agora vigente, pois nela só obtivemos um rigorismo formal no atendimento das exigências da lei em que nada contribui para a elevação dos padrões de ensino e para sua adaptação às condições locais” (original sem grifo) (Vasconcellos, 1968; p.15). Pelas razões do veto, que não foi mantido, parece que houve, inegavelmente, uma expressa preocupação do Governo Federal em promover uma maior flexibilização do sistema de ensino superior.
Ainda com relação à flexibilidade do ensino superior, houve os vetos apostos pelo Governo Federal e mais tarde rejeitados pelo Congresso Nacional, que eram pertinentes aos Capítulos II e III do Título IX que tratava Das Universidades e Dos Estabelecimentos Isolados de Ensino Superior. As universidades seriam integradas por cinco ou mais faculdades, não existindo a obrigatoriedade da integração através da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, nem que entre as faculdades componentes da universidade houvesse, pelo menos, duas de engenharia, de medicina ou de direito. A dispensa de obrigatoriedade das faculdades de Filosofia, de Ciências e de Letras foi decorrente do veto presidencial, sob o arrazoado de que já tínhamos no país mais de 70 faculdades de Filosofia, que exerciam, ressalvadas as exceções, somente a função de formar professores para o grau médio, além do que a integração esperada poderia ser exercida pelos institutos de pesquisas.
A autonomia universitária vinha declarada no artigo 80 como sendo didática, administrativa, financeira e disciplinar, exercida na forma de seus próprios estatutos. A seguir, os parágrafos primeiro, segundo e terceiro declaravam em que consistiam as faculdades de autonomia didática, administrativa e financeira. Também aqui, nas razões do veto presidencial (embora rejeitado posteriormente, permanecendo todos os parágrafos), é possível se identificar o posicionamento do Governo Federal, ao declarar que a autonomia das universidades estava consagrada no caput do artigo 80, sendo desnecessário, via dispositivo de lei, regulamentar matéria que bem poderia ser comportada nos estatutos das próprias universidades, considerando que esses mesmos estatutos dependiam de aprovação do Conselho Federal de Educação. As razões do veto demonstravam ainda que os parágrafos vetados nada acrescentavam que representasse para o poder público a “garantia de responsabilidade que deve corresponder à autonomia, nem conferindo às universidades qualquer regalia nova”. acrescentava ainda que, ao “contrário, entra por vezes desnecessariamente, a estabelecer regras rígidas em assuntos que podem receber melhor tratamento, seja nos estatutos, seja nas normas que compete ao Conselho Federal de Educação estabelecer” (Vasconcellos, 1968; p.20).
Ainda no mesmo artigo 80 (LDB/61) foi estabelecida a forma de constituição das universidades, podendo as oficiais serem constituídas sob a forma de autarquias ou de fundações; e as particulares, sob a forma de fundações ou de associações.
A gratuidade no ensino público superior, decorrente do artigo 168, Inciso II da Constituição então vigente, foi regulada no artigo 83.
Passando ao Capítulo III, Dos Estabelecimentos Isolados de Ensino Superior, a Lei tratava imediatamente da forma de constituição da pessoa jurídica, no que não diferia da constituição das universidades. Essas formas de constituição foram objeto de veto do Governo Federal, sob a argumentação de que a normatização limitava as modalidades de estruturação jurídicas das instituições de ensino superior, sendo elas públicas ou privadas. O veto, entretanto, não prosperou, sendo posteriormente rejeitado pelo Congresso Nacional.
A Lei remetia aos Conselhos Estaduais de Educação o grau de recurso no caso dos estabelecimentos isolados de ensino superior estadual e municipal e ao Conselho Federal de Educação, nos casos dos estabelecimentos federais ou particulares (artigo 87).
Quanto às instituições de ensino superior existentes na data da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o artigo 112 estabelecia um prazo de 180 dias para adaptação dos estatutos.
A Lei trouxe também em seu bojo conseqüências inesperadas tanto pelo Governo Federal como para as instituições de ensino superior que, evidentemente, não poderiam ser previstas. Decorrente das seqüelas sociais, é possível afirmar que um dos efeitos nefastos da Lei foi aquilo que resultou do disposto no artigo 78.
Através do indigitado dispositivo legal (artigo 78), a Lei no 4.024/61 reconhecia o direito de participação do corpo docente no governo das universidades e instituições isoladas de ensino superior, integrando seus conselhos universitários, congregações e conselhos departamentais, na forma estabelecida em seus respectivos estatutos. “Os estudantes temiam que as instituições de ensino redigissem estatutos onde sua participação fosse a menor possível, se não limitada a certas questões” (Cunha, 1989, p.138). Os estudantes, organizados sob o manto da União Nacional dos Estudantes – UNE, insurgiram-se e deflagraram manifestações de protestos por todo o país, culminando com uma greve de quase três meses, considerada a mais longa greve de estudantes no Brasil. Foram realizadas inúmeras assembléias, seminários e manifestos sobre a reforma universitária.
No Rio de Janeiro, manifestantes chegaram a invadir a sede do Ministério da Educação, o que levou à interferência da polícia do exército para a expulsão dos estudantes do prédio ocupado. Por fim, de suas reivindicações efetivas, nada conseguiram os estudantes e, com o desgaste do movimento, não restou alternativa senão o retorno às aulas. Em razão do tempo de greve, o ano letivo foi prolongado por recomendação do Conselho Federal de Educação, para que fosse cumprido o número mínimo de aulas (Cunha, 1989). Esse episódio parece relevante se considerarmos o momento político da época e as turbulências que se seguiram.
É possível perceber que a LDB/61, disposta de forma lógica e com boa técnica legislativa, disciplinou pontos importantes do ensino superior, tanto que, a partir daí, usou-se com freqüência o referencial nela contido. Daquilo que consta na referida Lei, parece evidente que, apesar de legitimar a autonomia das instituições de ensino superior, o Governo Federal também legitima o poder e a autoridade de seus órgãos para nelas interferirem.
No início do ano de 1964, o Brasil passou por uma fase de intensas discussões políticas. As radicalizações ideológicas partiam tanto daqueles que apoiavam o governo, quanto daqueles que politicamente o combatiam. Havia uma pressão descomunal sobre o Governo Federal e o Presidente João Goulart, sem base de sustentação política, buscava apoio popular. As forças políticas de direita buscaram apoio dos militares que opuseram veto ao nome do Presidente João Goulart; entretanto esses já estavam com o golpe orquestrado, aguardando o momento oportuno para sua implementação. Em 1o de abril de 1964, instalou-se no país o regime militar, quando o então Presidente João Goulart afastou-se de Brasília, seguindo em viagem para o Rio Grande de Sul e depois para o Uruguai. O Congresso Nacional declarou vago o cargo de Presidente da República e empossou o Presidente da Câmara dos Deputados, no entanto, o verdadeiro comando foi assumido pelo Alto Comando Militar da Revolução.
No dia 9 de abril, esse Comando Militar outorgou o Ato Institucional no 1, suspendeu as garantias e direitos individuais por seis meses, impôs severas restrições às atividades parlamentares do Congresso Nacional e afastou da vida política diversos ex-presidentes, governadores, senadores, deputados, dirigentes de entidades sindicais, professores e líderes estudantis (Motta, 1997). O Marechal Castelo Branco foi empossado como Presidente da República em 15 de abril de 1964, após eleição indireta de candidato único. Editou, no dia 27 do mesmo mês, o Ato Institucional no 2, que tornou indiretas as eleições e extinguiu os partidos políticos. Dezenas de Atos Complementares foram editados para regulamentação dos Atos Institucionais.
Continuando com suas manifestações, reivindicando mais vagas e ensino superior gratuito, os estudantes passaram a ser vistos como subversivos da ordem constituída e, em muitos casos, foram severamente reprimidos. As vagas no ensino superior continuavam limitadas. Um número expressivo de estudantes obtinha as notas mínimas exigidas nos exames de vestibular, mas continuavam sem ingressar no terceiro grau, tornando-se os chamados “excedentes”.
Segundo Motta (1997), o Governo tinha consciência da crise educacional brasileira e de que o abrandamento das manifestações estudantis não mudaria tal realidade, sendo o problema bem mais profundo, resultado das grandes modificações que estavam ocorrendo na economia nacional, o que gerava demanda por uma mão de obra de melhor nível em todos os setores. A expansão do ensino médio, que ocorrera em anos anteriores, também concorria para o aumento da pressão por vagas no ensino superior. Tudo isso contribuía para que a crise no ensino superior assumisse proporções crônicas. Em 24 de janeiro de 1967, o Governo aprova no Congresso Nacional a nova Carta Constitucional com poucas mudanças na área educacional. Mantém a garantia da livre iniciativa particular no ensino, acrescentando, na parte final do parágrafo 2o do artigo 168, que a rede particular de ensino “merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo”. Mais adiante, ainda no artigo 168, parágrafo 3o, inciso 3o, foi instituído que a gratuidade sempre que possível seria substituída pelo regime de bolsas de estudo, sendo exigido posterior reembolso no caso do ensino superior.
Segundo Niskier (1995), o ponto alto da pressão sobre o ensino superior ocorreu em 1968, quando 125 mil candidatos aos cursos superiores não conseguiram vagas. Pode-se verificar, a partir dessa expansão e com a livre iniciativa privada, que o ensino superior caminhou decisivamente para a privatização. De sua parte, o Governo tratou de estabelecer critérios na tentativa de evitar um crescimento desordenado. Surgiu então o Decreto no 63.341 em 1º de outubro de 1968 que, dentre outras normas, fixava que, nos pedidos de autorização, de reconhecimento e de financiamento, deveria ser evitada a criação de vagas para carreiras já suficientemente atendidas, devendo, sempre que possível, destinar-se à formação de profissionais para áreas deficitárias.
Em 28 de novembro de 1968, através da Lei no 5.540, o Governo Federal procedeu à chamada Reforma Universitária, cujas principais inovações foram: a extinção da cátedra com sua substituição pelo departamento e colegiado de curso; a adoção de currículos flexíveis, cursos parcelados, semestrais, com a introdução do sistema de créditos; os vestibulares unificados e os ciclos básicos; e a instituição regular dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) e dos cursos de curta duração.
Para Hardy e Fachin (1996), a Reforma Universitária de 68 veio estabelecer três grandes diretrizes para a reestruturação das universidades, quais sejam: a abolição do poder dos catedráticos, o estabelecimento dos departamentos e a atribuição de responsabilidade dos currículos a um órgão central.
Segundo Vahl (1991), com a reforma do ensino de 1968, as universidades brasileiras sofreram modificações em sua estrutura, tanto na esfera acadêmica como na administrativa. Esse autor ainda comenta que a Lei no 5.540/68 extinguiu a cátedra, cargo vitalício cujo ocupante gozava de plena liberdade, como poder decisório em sua área de conhecimento, até mesmo em relação aos docentes a ele vinculados.
Com a Lei (Lei no 5.540/68 – artigo 12, parágrafo 3o), foi instituída a departamentalização, uma vez que dispunha que as unidades universitárias se dividiriam em subunidades – os departamentos – que passaram a ser unidade básica do sistema. A lei tornou ainda mais facultativa a existência de níveis estruturais intermediários entre os Departamentos e a Administração Superior (Faculdades, Escolas, Institutos e Centros).
Após 1968 as universidades brasileiras assumiriam uma nova estrutura, obedecendo ao que determinava a lei em vigor. Segundo Vahl (1991), essa nova estrutura tinha as seguintes características:
a) Órgãos Superiores:
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- Conselho Universitário (CONSU): órgão colegiado obrigatório afeto à administração superior, composto pelo Reitor, Vice Reitor, ex-Reitor, Decano dos Reitores, Pró-Reitores, representantes docentes e discentes, diretores de unidades de ensino e representantes da comunidade acadêmica e dos diferentes setores da sociedade;
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- Conselho de Curadores: órgão obrigatório nas universidades estruturadas sob a forma jurídico-organizacional de Autarquia, responsável pela fiscalização da execução econômica e financeira, composto por representantes da comunidade acadêmica, do setor produtivo do Estado-sede da instituição e por um representante do governo;
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- Conselho Diretor: órgão da administração superior existente nas universidades organizadas sob a forma jurídica de Fundação e desempenhando funções de natureza deliberativa e fiscal;
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- Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE): órgão de supervisão e coordenação das atividades de ensino, pesquisa e extensão, ao nível de administração superior, composto pelo Reitor, Vice Reitor, Pró-Reitores da área, representantes de cada uma das unidades universitárias, docentes de todas as categorias e representantes discentes;
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- Reitoria: órgão que superintende todas as atividades universitárias, tanto administrativas como acadêmicas, a nível executivo. Seu poder é exercido pelo Reitor, Vice-Reitor e Pró-Reitores;
b) Órgãos Setoriais:
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- Centros (ou Faculdades/Institutos/Escolas): de caráter facultativo, fazendo a intermediação entre os departamentos acadêmicos e a administração superior da universidade;
- Conselho Departamental: de caráter deliberativo e consultivo, é constituído pelo diretor e vice-diretor da unidade acadêmica, chefes de departamentos acadêmicos, representantes do corpo docente nas diversas categorias e representantes discentes;
- Coordenação Didática de Cursos: exigida pela Lei, é composta por um colegiado de representantes de unidades, do qual, normalmente, faz parte um coordenador do colegiado, representantes dos departamentos e representantes do corpo discente;
- Diretoria: órgão executivo que dirige, coordena, fiscaliza e superintende as atividades das unidades acadêmicas e administrativas.
Foram, também, de fundamental importância para o ensino superior os dispositivos da Lei no 5.540/68 e do Decreto-Lei no 464 de 04 de fevereiro de 1969, que estabeleceram os princípios da não-duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes e o da indissociabilidade de ensino e pesquisa (Niskier, 1995).
Segundo Piletti (1996), entretanto, não eram essas as reformas do ensino superior clamadas pela sociedade que pedia mais vagas nas escolas públicas, ampliação do corpo docente, aumento das verbas e recursos. A seguir, o Governo adotou medidas de ordem meramente burocrática, dentre as quais pode-se salientar a instituição do vestibular classificatório, eliminando a nota mínima com o conseqüente desaparecimento dos “excedentes” e o desvio dos alunos do ensino superior através da formação técnico-profissionalizante do segundo grau. A partir daí, multiplicaram-se as vagas no ensino superior privado, chegando, em muitos casos, a sobrar vagas nessas instituições.
Os estudantes mobilizados e inconformados, liderados pelas forças de esquerda, continuaram seus protestos, inclusive com atuação clandestina nos movimentos político-revolucionários, objetivando a derrubada dos militares. Em 17 de outubro de 1969, através da Emenda Constitucional no 1, uma Junta Militar assume o poder em substituição ao então Presidente Marechal Costa e Silva, fazendo inclusão, no texto constitucional, de vários dispositivos para a garantia da manutenção do esquema ditatorial (Motta, 1997).
Ainda segundo Motta (1997), pode-se perceber, de forma bastante nítida na legislação da época, que a ação do Governo na área educacional, dentre outras, incentivava o crescimento das escolas particulares de ensino superior, embora buscasse também formas de redução de demanda e controle, com orientação para as carreiras profissionalizantes no ensino médio. Nesse sentido, caminhou a Lei no 5.692 de 11 de agosto de 1971 que veio reformular toda a legislação de diretrizes e bases para o ensino de primeiro e segundo graus, trazendo em seu bojo a obrigatoriedade do ensino profissionalizante.
Nos anos que se seguiram, percebe-se que o Governo se voltou fundamentalmente para o ensino de primeiro e segundo graus. As enormes dificuldades encontradas com o segundo grau profissionalizante, principalmente, ocasionando desorganização e confusão, levaram o Governo a buscar continuamente soluções para os problemas que ele mesmo havia criado. Finalmente, já em 1982, através da Lei no 7.044 de 18 de outubro, o Governo acabou com a obrigatoriedade do ensino profissionalizante.
O início da redemocratização do Brasil foi marcado pela eleição dos Constituintes em 1986, em grande parte eleitos por setores de centro-esquerda e de esquerda da sociedade brasileira, que formaram na época um grande bloco político. Por sua vez, o empresariado brasileiro e as classes produtoras rurais, com o apoio de importantes lideranças, concentraram-se em um bloco parlamentar para defender seus interesses e garantir a continuidade e o desenvolvimento da livre iniciativa em todos os setores da sociedade. Em conseqüência, a Carta Magna de 1988 contém concessões a ambas as partes, alterando significativamente as normas maiores da sociedade brasileira em todos os setores, inclusive no da educação. Assim, uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional já era esperada após a promulgação da Constituição de 1988.
Os dispositivos relativos à educação, contidos na atual Carta Constitucional, estão nos dez artigos da Seção I “Da Educação”, do artigo 205 ao artigo 214, que faz parte do Capítulo III “Da Educação, da Cultura e do Desporto” que integra o Título VIII “Da Ordem Social”. Por outro lado, existem outros dispositivos constitucionais que influenciam as Instituições de Ensino Superior, embora não estejam dentro da seção referenciada.
Doravante serão salientados os dispositivos da Constituição Federal aplicados ao Ensino Superior, relevantes para o presente estudo, para, logo depois, seguir-se para a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que veio como conseqüência lógica e jurídica das novas normas constitucionais.
O artigo 150, inciso VI, alínea “c” (com as alterações da Emenda Constitucional no 3 de 1993), ao estabelecer que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições educacionais sem fins lucrativos, busca, assim, suprir deficiências do Estado na educação, estimulando a livre iniciativa na área educacional. Tal dispositivo, quando estudado em conjunto com o artigo 209 que determina que o ensino é livre à iniciativa privada, bastando para tanto que se respeitem as normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade do poder público, constitui-se num potente instrumento legal para os empreendimentos privados. Ao que parece, garantiu-se aqui a preservação da rede de ensino privada já fortemente organizada em todo o país.
Novas possibilidades de empreendimentos para as Instituições de Ensino Superior podem ser extraídas do parágrafo 4o, do artigo 218, que diz que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica e que a lei apoiará e estimulará as empresas que investirem em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao país e formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos. Novas fontes de renda poderão advir com o engajamento das instituições no processo de superação da falta de competitividade e de inovação tecnológica das empresas brasileiras. É certo que o dispositivo legal é de real importância para os institutos isolados e para as universidades, como também parece certo que a sociedade exigirá, cada dia mais, um maior envolvimento nas áreas de pesquisa, de criação de novas tecnologias e desenvolvimento de recursos humanos (Motta, 1997).
O artigo 207, que preceitua a autonomia, diz que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. É possível afirmar, então, que a autonomia compreende os três aspectos de forma indissociável:
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- a autonomia didático-científica implica na liberdade de criar cursos, planejar e executar seus próprios currículos e conteúdos programáticos, avaliações e aulas presenciais ou através da educação à distância;
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- a autonomia administrativa pode ser compreendida como a capacidade de auto-organização e a liberdade de auto-regulamentação para a escolha de seus dirigentes e para a gestão de seus recursos humanos e materiais;
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- a autonomia de gestão financeira e patrimonial pressupõe o gerenciamento dos seus recursos financeiros e patrimoniais, exigindo, inclusive, a liberdade para a elaboração e execução de orçamentos.
Pode-se constatar que muitos dos princípios constantes na Constituição Federal vigente já faziam parte da nossa legislação ordinária, sendo agora elevados à categoria de normas constitucionais. Os Constituintes se valeram especialmente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e da Lei no 5.540 de 28 de novembro de 1968 que reformularam o ensino superior.
5 A ATUAL LEGISLAÇÃO APLICADA ÀS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
Depois de oito anos de discussões no Congresso Nacional, o Presidente da República Fernando Henrique Cardoso sancionou, no dia 20 de dezembro de 1996, sem vetos, a Lei no 9.394/96, sendo publicada no Diário Oficial da União no dia 23 de dezembro daquele mesmo ano, passando a determinar as diretrizes e bases da educação nacional
Sob o Título V da Lei no 9.394/96, o legislador descreve os Níveis e Modalidades de Educação e Ensino, estabelecendo no artigo 21 a composição dos níveis escolares em dois grandes blocos: no primeiro, encontra-se a Educação Básica que passa a ser formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio; e, no segundo bloco, encontra-se a Educação Superior.
As diretrizes da educação superior vêm, na nova lei, no Título V – Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino, Capítulo IV – Da Educação Superior, que é constituído pelos artigos 43 a 57. Quando comparado com as seções que tratam da educação infantil, do ensino fundamental e médio, é possível perceber que há nesse capítulo da educação superior, uma preocupação especial do legislador. Nota-se que foram traçadas linhas gerais para os outros níveis, havendo aqui um maior detalhamento. São quinze artigos, quinze parágrafos e trinta e sete incisos.
Segundo Motta (1997), esse detalhamento se justifica porque a principal ação direta do Governo Federal, na área educacional, dá-se no nível superior, já que aos municípios couberam maiores responsabilidades com a educação infantil e ensino fundamental; e aos Estados, mais responsabilidades com o ensino médio e grande parte do ensino fundamental.
Adiante, faz-se o estudo dos artigos que constituem o capítulo da educação superior, uma vez que se trata das mais importantes normas referentes à estrutura e ao funcionamento desse grau de ensino.
O novo dispositivo legal, considerado flexível e descentralizador, passou a fortalecer os sistemas estaduais de educação e trouxe uma série de inovações pedagógicas, entre as quais é possível citar, no que diz respeito ao ensino superior, a possibilidade de criação das Universidades especializadas por campo do saber, os novos modelos seletivos, a diplomação em cursos regulares através do ensino à distância, os novos parâmetros de titulação do corpo docente, a alternativa representada pelos Centros Universitários e pelos Institutos Superiores do Magistério, além da criação do processo nacional de avaliação das instituições de educação superior.
Embora o Capítulo tenha início com o artigo 43, vale trazer primeiramente o texto do artigo 52, que estabelece a conceituação de universidade, distinguindo-a das demais instituições isoladas de ensino superior. Diz que se trata de instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: “I – produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral.”. O parágrafo único faculta a criação de universidades especializadas por campo do saber.
O disposto nos incisos II e III do artigo 52, necessariamente, deve ser estudado em conjunto com o parágrafo segundo do artigo 88 das Disposições Transitórias da mesma LDB, que estabelece um prazo de oito anos para o seu cumprimento pelas universidades. Segundo Motta (1997), as universidades, com o objetivo de atingir ou até superar os níveis exigidos e de incentivar o aperfeiçoamento do corpo docente, estão oferecendo valores mensais, adicionais aos valores pagos pelo trabalho, pela participação em programas de mestrados e doutorados. Outras estão firmando convênios com instituições nacionais e internacionais e financiam a participação dos seus docentes nesses programas.
O já citado parágrafo único do artigo 52 estabelece a possibilidade de criação das universidades especializadas por campo do saber, o que constitui mais uma importante inovação da atual LDB frente à legislação anterior e que decorre da evolução do conceito de universidade. Parece que, diante do crescente volume de conhecimento, tornou-se quase impossível, dentro de uma única instituição, reunir todas as áreas de conhecimento, proporcionando excelência em todas elas. Além disso, mais vale uma universidade especializada em uma terminada área do saber, com excelentes níveis de qualidade naquilo a que se propõe do que uma enorme infra-estrutura que abranja variadas áreas e não consiga manter padrões recomendáveis de qualidade.
Na seqüência, o artigo 53 trata da autonomia das universidades, assegurando atribuições, sem prejuízo de outras que não são apresentadas, que lhes garantem a liberdade de ação, o que é apresentando com riqueza de detalhes em alguns aspectos que parecem fundamentais: “I – criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; II – fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III – estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; IV – fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V – elaborar e reformar seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI – conferir graus, diplomas e outros títulos; VII – firmar contratos, acordos e convênios; VIII – aprovar e executar os planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX – administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X – receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas”.
Quanto à autonomia didático-científica, diz a lei que os colegiados de ensino e pesquisa das universidades decidirão, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: “I – criação, expansão, modificação e extinção dos cursos; II – ampliação e diminuição de vagas; III – elaboração da programação dos cursos; IV – programação das pesquisas e das atividades de extensão; V – contratação e dispensa de professores; V – planos de carreira docente”.
A lei anterior (Lei no 5.540/68 – artigo 3o) tratava do assunto de forma bastante sucinta ao estabelecer que as universidades gozariam de autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira, exercida na forma da lei e dos estatutos, ficando para a jurisprudência e para a doutrina a responsabilidade da conceituação. Nesse aspecto, como já foi dito, a própria Constituição Federal, através do artigo 207, tratou do assunto com bastante clareza.
Um grande avanço que merece ênfase é que os estatutos e regimentos das universidades não dependem mais de aprovação da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, dispondo as instituições de maior liberdade para a elaboração e para a reforma desses documentos.
Os demais artigos, a partir do 54 até o final do capítulo, tratam das universidades mantidas pelo poder público, excetuando-se o que parece ser uma possibilidade de extensão da autonomia, que vem no parágrafo segundo do artigo 54, no qual é possível o entendimento de que às outras instituições de ensino superior poderá ser dada, dependendo de avaliação do Poder Público, a mesma autonomia das universidades, após comprovação de alta qualificação para o ensino ou para a pesquisa, beneficiando os centros de educação superior, os centros integrados e as faculdades integradas.
Retornando ao início do Capítulo IV – Da Educação Superior, o artigo 43 diz que a educação superior tem por finalidade estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento; incentivar o trabalho de investigação científica; promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos; suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional; estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais; e promover a extensão aberta à participação da população.
Já a lei anterior, Lei no 5.540/68 – artigo 1o, estabelecia diretamente que o ensino superior tinha por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário e que as instituições de ensino superior estenderiam à comunidade, sob forma de cursos e serviços especiais, as atividades de ensino e os resultados da pesquisa que lhes são inerentes.
Logo a seguir, o artigo 44 trata dos cursos e programas abrangidos pela educação superior como sendo cursos seqüenciais por campo de saber de diferentes níveis de abrangência, cursos de graduação, de pós-graduação (compreendendo os programas de mestrado, doutorado, cursos de especialização e aperfeiçoamento) e de extensão. Pode-se observar que a Lei diz que essas são as finalidades, artigos 43 e 44, quando em verdade esses são os legítimos objetivos do ensino superior brasileiro.
A lei anterior já contemplava as modalidades de graduação, de pós-graduação, de especialização e de extensão, ficando a inovação por conta dos cursos seqüenciais.
Os cursos seqüenciais, criados pelo inciso I do artigo 44, foram definidos no artigo 50 da mesma LDB, permitindo às instituições de educação superior, mediante processo seletivo prévio, quando da ocorrência de vagas, abrir matrícula em qualquer das disciplinas de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem capacidade para cursá-las com proveito, representando uma importante abertura da universidade para os membros da comunidade participarem de suas atividades acadêmicas, além de criar maiores oportunidades para as instituições de educação superior.
Adiante, no artigo 45, a Lei arrola as instituições que poderão promover a educação superior, podendo ser públicas ou privadas. Com exceção das universidades, a nova Lei não prevê as formas de organização das instituições de educação superior, permitindo, a partir daí, que elas se organizem de acordo com o modelo que desejarem, devendo a seguir buscar seu credenciamento no MEC, que apresentará relatório para apreciação do Conselho Nacional de Educação. Antes da atual LDB, a Lei no 5.540/68, agora revogada, previa apenas três modelos para a organização das instituições de ensino superior, representados pelas universidades, pelas faculdades integradas e pelas faculdades isoladas.
O artigo 46 estabelece definitivamente o controle externo dos cursos superiores, através das autorizações, dos reconhecimentos e dos credenciamentos de instituições de educação superior pelo Poder Público, incluindo, ainda, que tais autorizações, reconhecimentos e credenciamentos têm prazos de validade, dependendo de renovação periódica, após processo regular de avaliação. Os reconhecimentos e as autorizações referem-se exclusivamente aos cursos e o credenciamento refere-se às instituições. Pode-se acrescentar, em decorrência lógica do próprio processo contínuo de avaliação, a figura dos recredenciamentos, a partir da renovação do credenciamento.
No parágrafo primeiro do artigo 46, arrolam-se os procedimentos relativos ao saneamento das irregularidades eventualmente encontradas por ocasião das avaliações periódicas dos cursos e das instituições. Após os prazos deferidos para o saneamento, haverá reavaliações, podendo resultar em punições como desativação de cursos e habilitações, intervenção na instituição, suspensão temporária de prerrogativas da autonomia ou descredenciamento. Deixa assim de existir uma característica da normatização anterior, que conferia um caráter definitivo aos reconhecimentos. O parágrafo segundo somente se aplica às instituições públicas.
Na seqüência, o artigo 47 estabelece um mínimo de duzentos dias letivos de trabalho acadêmico efetivo para o ano letivo regular, independente do ano civil, sendo excluídos os dias destinados aos exames finais, se houver. A lei anterior, Decreto Lei 464/69 – artigo 7º, estabelecia um mínimo de cento e oitenta dias de trabalho escolar efetivo, não incluindo o tempo reservado aos exames (não se referia a exames finais).
O parágrafo primeiro do artigo 47 determina que as instituições informem aos interessados, antes do início de cada ano letivo, os programas dos cursos, os componentes curriculares, a duração dos cursos e a carga horária de cada componente curricular, os requisitos para a matrícula, a qualificação dos professores, os recursos disponíveis para a condução dos cursos e os critérios de avaliação. O conjunto de informações deverá estar disponível como num catálogo, estando as instituições obrigadas ao cumprimento das condições apresentadas. Trata-se aqui de respeito ao usuário, que não fica numa posição cega diante da instituição de ensino onde busca o desenvolvimento de seus estudos. O aluno deve ter pleno conhecimento do que o espera. O não cumprimento das condições divulgadas permite que os estudantes possam reivindicá-las administrativamente e judicialmente, ensejando, no caso das instituições de ensino superior privadas, a busca de proteção no Código de Defesa do Consumidor.
O parágrafo segundo do mesmo artigo possibilita que seja abreviado o tempo de curso para os alunos que tenham um extraordinário aproveitamento nos estudos, desde que seja demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação, aplicados por banca examinadora especial. Aqui fica bastante claro que se trata do aproveitamento do aluno, estabelecendo a possibilidade deste e não do curso, sendo, na verdade, uma questão didática e não administrativa que diz respeito à capacidade do aluno e não para atender aos interesses da instituição.
Finalizando, o artigo 47, em seu parágrafo quarto, determina que os mesmos padrões de qualidade verificados nos cursos diurnos deverão ser mantidos nos cursos noturnos. A segunda parte do parágrafo torna obrigatória a oferta de cursos noturnos nas instituições públicas dependendo de provisão orçamentária.
O artigo 48 disciplina as questões relativas aos diplomas dos cursos superiores reconhecidos, determinando sua validade em todo o território nacional, como prova da formação recebida e da capacitação para o exercício profissional na área abrangida pelo currículo cursado pelo seu titular. Parece claro que somente os cursos superiores reconhecidos podem expedir diplomas e a validade dependerá de registro.
Os registros competem às universidades que os expediram, na forma estabelecida pelo parágrafo primeiro do artigo 48, sendo que os diplomas expedidos por instituições que não sejam universidades dependerão de registro em universidades definidas pelo Conselho Nacional de Educação. Pode-se verificar aqui um significativo avanço, uma vez que a lei anterior definia que o Ministério da Educação e Cultura designaria as universidades federais que deveriam proceder ao registro; agora, a própria universidade que os expediu, faz seu registro.
O parágrafo segundo do artigo 48 define que os diplomas expedidos por universidades estrangeiras, respeitando os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação, poderão ser revalidados pelas universidades públicas brasileiras, desde que tenham curso do mesmo nível, da mesma área ou área equivalente. As universidades da rede privada não foram contempladas com tais prerrogativas. O parágrafo seguinte trata do mesmo assunto, estabelecendo iguais condições para os cursos de pós-graduação, exceto que os diplomas poderão ser reconhecidos pelas universidades públicas e privadas, o que se justifica pelo rigoroso crivo a que se submetem os programas de mestrado e doutorado, pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – CAPES do MEC.
A transferência de aluno regular será aceita na forma do artigo 49, estabelecendo que essa sempre se dará para cursos afins dentro de uma área do saber, estando condicionada à existência de vaga para o curso ao qual esta foi requerida e após processo seletivo da instituição no qual deve ser dada igual oportunidade a todos os candidatos. As universidades devidamente credenciadas, a despeito da sua autonomia, na oportunidade da deliberação sobre os critérios e normas para seleção e admissão de alunos, deverão observar o disposto no artigo 51, levando em conta que, certamente, as mudanças que implementar, repercutirão na orientação do ensino médio.
Finalmente, merece destaque especial o parágrafo terceiro do artigo 47, quando mantém a presença obrigatória nos cursos presenciais para alunos e professores, sendo livre nos cursos de educação à distância. Ao excetuar os cursos de educação à distância da obrigatoriedade de presença, a lei passou definitivamente a permitir a implantação dos cursos superiores através do ensino à distância.
Lemos (1996) enfatiza que, mesmo com todas as características de alternativa de futuro, a educação à distância coloca-se como opção realística para a expansão do ensino básico, para o enfrentamento às manifestações explícitas das carências educacionais no ensino de primeiro grau, bem como para a propagação de cursos de formação, aperfeiçoamento ou especialização de professores em nível de segundo e terceiros graus.
Afirma ainda o mesmo autor (Lemos, 1996) que a educação à distância é reassumida hoje como um compromisso nacional dentro do esforço do Plano Decenal de Educação para todos, envolvendo não apenas o setor da educação, mas toda a infra-estrutura do Estado e a cooperação dos setores organizados da sociedade.
Ainda em Lemos (1996), pode-se observar que o objetivo básico da educação à distância, no contexto brasileiro, consiste em promover o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Nesse sentido, surgem as universidades virtuais que têm como principal meta a contínua vinculação entre as instituições de ensino superior de numerosos países. Essa interação permitirá, segundo Armengol (1990), uma redução importante na lacuna existente entre os conhecimentos gerados e utilizados pelas sociedades com distintos níveis de desenvolvimento.
O artigo 80 trata mais especificamente do assunto, prevendo a oficialização da metodologia de educação à distância, determinando que o Poder Público deverá incentivar, em todos os níveis e modalidades de ensino e de educação continuada, o desenvolvimento e a veiculação de programas de educação à distância.
Visando solucionar os graves problemas na área da Educação, o MEC criou programas para beneficiar o ensino à distância, como: PROIN – Programa de Apoio à Integração Graduação/Pós-Graduação; TV ESCOLA – Programa para o aperfeiçoamento de professores, com fornecimento de kit de televisão, antena parabólica e fitas de vídeo; PROINFO – Programa Nacional de Informática na Educação; e PAPED – Programa de Apoio à Pesquisa em Educação à Distância, que concederá auxílio financeiro a teses de Doutorado e a dissertações de Mestrado que tenham como objetos de pesquisa projetos nas áreas da Educação à Distância.
6 CONCLUSÃO
O Brasil é um dos países onde o Estado exerce maior interferência no ambiente dos negócios. As instituições de ensino superior, como organizações partícipes da composição ambiental, não constituem exceção às regras. Segundo Hardy & Fachin (1996, p.196): “Todos os tipos de instituições devem prestar atenção ao ambiente externo tanto do ponto de vista político como financeiro. O papel financeiro e o físico envolvem as maneiras pelas quais os líderes podem proteger a instituição” (original sem grifo).
O artigo 209 da Constituição brasileira promulgada em 5 de outubro de 1988, combinado com o artigo 7o da Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996, ao estabelecer que o ensino é livre à iniciativa privada, teve por resultado desmoronar quaisquer tentativas de entendimento de que o ensino privado é uma concessão de direitos, pois o que se depreende, em verdade, é que a atividade é um empreendimento da iniciativa privada, com capital privado e com todas as conseqüências de um negócio como outro qualquer, respeitando, evidentemente, as peculiaridades e proporções que lhes são próprias.
O mesmo artigo 7o da Lei nº 9.394/96, agora em seu inciso III, vai além e estabelece como condição precípua para empreender atividade de ensino, acapacidade de autofinanciamento da iniciativa privada. Considera-se, para compreensão da lei, que autofinanciamento é financiar a si próprio, conforme verbete do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. E, ainda, autofinanciar-se é uma “prática que consiste em reter e utilizar no negócio os lucros não distribuídos” ou o “desenvolvimento da produção ou de outros negócios de uma empresa pela aplicação de lucros e capital próprios” (Ferreira, 1986; p.203). Ora, capacidade de autofinanciamento em atividade de prestação de serviços continuada requer inegavelmente resultados financeiros positivos da atividade produtiva. E, de fato, a realidade não permite que prospere outro entendimento, senão o que estabelece que, necessariamente, deverá existir uma diferença positiva entre a receita e a despesa para que haja continuidade da atividade. Isso, em verdade, é superávit e superávit pressupõe lucro.
Paralelamente a esta maior liberdade de empreender, a mesma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei no 9.394/96) criou um novo modo de operar das organizações de ensino superior. O Ministério da Educação, Cultura e Desporto – MEC, através das ferramentas legais de que dispõe (Portarias, Resoluções e Pareceres), estabelece procedimentos que visam à operacionalização dos dispositivos da citada Lei, além de criar outros tantos no âmbito de sua competência, principalmente no que diz respeito ao desempenho individual das instituições de ensino superior. Além de tudo, o MEC também atua como órgão fiscalizador do cumprimento das normas estabelecidas. Além desses ditames relativos ao ensino, existem os demais ordenamentos legais a que se submetem as instituições de ensino superior privadas, tais como o Código de Defesa do Consumidor, as Leis Previdenciárias e Trabalhistas, as Leis Cíveis, Comerciais e Tributárias.
Assim, a atividade de prestação de serviços educacionais deve respeito, por um lado, às determinações legais específicas e, por outro, ao que estabelece a norma genérica aplicável, submetendo-se aos órgãos de fiscalização do Governo, tanto no primeiro quanto no segundo ordenamento legal, devendo, além de tudo, ser economicamente viável, para que atenda às exigências de autofinanciamento, o que reforça as características de empreendimento privado e definitivamente lhe dá contornos empresariais.
Por outro lado, percebe-se que as universidades brasileiras, além de terem sido instaladas tardiamente, não incorporaram um dos fatores fundamentais que caracterizam as demais universidades latino-americanas: a autonomia. A influência das medidas governamentais nas universidades brasileiras, parece não garantir que essas instituições de ensino atendam às exigências da sociedade baseadas nas idéias centrais de liberdade. Para que a universidade particular fique imune a qualquer controle governamental, certamente deverá acontecer uma ruptura, uma mudança de paradigma ou ainda uma reformulação social
Em fim, a influência do Estado nas organizações de ensino superior não tem data, nem hora marcada para acabar e, mais ainda, os indícios apontam para um maior controle através dos resultados obtidos, cujos indicadores se aperfeiçoam a cada dia, numa decorrência lógica do próprio modelo adotado. Neste contexto, desenhado a partir da sua própria história, vale a orientação firme e dominante de que, aquelas organizações que nos tempos atuais conseguem acompanhar as medidas governamentais, devem aproveitar sua posição, naquilo em que ainda são privilegiadas, para construir ou reforçar suas vantagens em relação às demais competidoras, sob pena de fracassarem no lugar comum.
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