O equilíbrio das racionalidades e o processo decisório

Objeto de Estudo: conceito de ação racional e os vários tipos de racionalidades presentes na lógica de ação dos tomadores de decisão nas organizações, em especial nas instituições de ensino superior.

Para identificar e discutir o tipo de racionalidade predominante que orienta e guia as ações dos dirigentes das IES, tornou-se necessário identificar e analisar os diversos tipos de racionalidades que podem estar presentes na lógica de ação desses mesmos dirigentes.

A tipologia de racionalidade foi um dos muitos arranjos utilizados por Weber (1946) para analisar padrões e regularidades sociais, para quem os modos de vida que a sociedade realiza, são mais baseados em valores do que em interesses, de maneira que os tipos de racionalidade são ancorados em ações realizadas com relação a fins e a valores, envolvendo tanto as atividades dos indivíduos quanto a história das sociedades.

A racionalidade prática é entendida como a forma de determinar os meios mais fáceis de procedimentos para se atingir objetivos pragmáticos. A racionalidade teorética, refere-se ao domínio consciente da realidade através da construção de conceitos abstratos, cada vez mais precisos. O autor (Weber, 1946) também aborda a racionalidade substantiva, dizendo que tal racionalidade é vista como ordenadora de ações, considerando uma escala de valores, existindo como uma capacidade inerente ao homem para a ação racional. A racionalidade formal é determinada por uma expectativa de resultados ou fins calculados. Age, segundo a racionalidade formal, o indivíduo que estabelece uma clara relação meio-fins e utiliza o cálculo utilitário de conseqüências para atingir objetivos organizacionais. Age de acordo com a racionalidade prática quem utiliza os melhores meios para alcançar objetivos pessoais. A racionalidade teorética, por sua vez, é utilizada por aqueles que buscam, através da atividade mental, a construção de conceitos que podem funcionar como modificadores de valores que são partilhados pelos indivíduos num determinado momento. A racionalidade substantiva, por se referir ao conjunto de valores que permeia a ação, expressa-se na utilização de um ou de outro tipo de racionalidade.

Comparando e confrontando os tipos de racionalidade identificados na obra de Weber, Kalberg (1980) argumenta que, embora os tipos possam variar em conteúdo, os processos mentais que são utilizados conscientemente para perceber e dominar a realidade são comuns a todos os tipos de racionalidade.

Ao discutir os conceitos de racionalidade, Wilson (1973) afirma que Weber tentou evitar a armadilha inerente à rígida distinção entre ação e pensamento. Embora isso seja útil para ser usado como recurso analítico, o autor argumenta que não está de acordo com o modo de agir de atores individuais. Desse modo, a distinção entre a racionalidade, como comportamento, e a racionalidade, como pensamento, é significativa do ponto de vista do ator, em uma dada situação social. Como conseqüência, Weber formulou, de fato, dois conjuntos de tipologias. Uma relacionada ao conhecimento do ator e a outra relacionada à sua participação na divisão social do trabalho, ressaltando ainda que, a primeira é a única que tem sido discutida. A segunda só tem sido aludida de passagem, mas sua importância é atestada por aqueles interessados na reconstrução crítica das Ciências Sociais numa perspectiva marxista.

Os tipos de racionalidade abordados decorrem de duas concepções. A primeira está relacionada com uma possível diferença na distinção entre razão e racionalidade: razão estaria relacionada aos processos mentais que capacitam o homem a conhecer e a compreender o mundo; e racionalidade, relacionada ao uso desses processos mentais. A segunda concepção está relacionada às questões paradigmáticas. São evidentes as preocupações com os aspectos individuais da racionalidade. Weber, ao discutir os tipos de ação social e racionalidade, declara que sua preocupação é com as regularidades e os padrões que os tipos de racionalidade introduzem.

Hartwig (1978) também discute tipos de racionalidade no contexto da teoria administrativa. Para o autor, um dos grandes problemas dos conceitos usados no contexto de múltiplos tipos de racionalidade é que eles são necessariamente ambíguos e toda análise deve considerar esse aspecto. Hartwig (1978) discorre sobre o conceito de racionalidade e os problemas da teoria administrativa e classifica a racionalidade em cinco tipos: racionalidade econômica, como sendo a forma pela qual se pode alcançar múltiplas metas em que nenhum outro tipo de racionalidade é admitido; racionalidade técnica, com uma realização eficiente de um dado objetivo, utilizando técnicas disponíveis; racionalidade social pura, vinculada a sistemas sociais, contribuindo para o entendimento do relacionamento entre as pessoas; racionalidade legal, baseada em regras fundamentais que são elaboradas e difundidas como uma conseqüência da necessidade de regular e estruturar conflitos; e racionalidade política, como a racionalidade vinculada à estrutura de tomada de decisões, servindo para amenizar tensões e facilitar a decisão substantiva.

Os estudos realizados levam à compreensão de que todos os tipos de racionalidade são encontrados nas organizações. Nos sistemas produtivos prevalecem os critérios de racionalidade econômica e técnica, a racionalidade social serve às relações informais; a racionalidade legal manifesta-se em um sistema de regras que mediam disputas, assim como a racionalidade política expressa-se através de estruturas de decisão e sistemas de controles políticos.

Dependendo das características da organização, a ação de seus membros pode guiar-se por um ou por outro tipo de racionalidade, ou até variar em função do momento/intenção. Essa tendência ao predomínio ora de um, ora de outro tipo de raciocínio indica a necessidade de se estabelecer uma tipologia de racionalidade que torne possível a apreensão das características das ações e decisões dos membros. Logo, independente do tipo de universidade, para a própria sobrevivência da organização, é crucial que se entenda a lógica de ação de seus membros.

Assim, um ponto crucial para a determinação da racionalidade de uma ação é a identificação do objetivo a ser atingido. Se essa distinção parece não oferecer dificuldades em organizações nas quais os objetivos são claramente definidos, ela se torna altamente problemática em outros tipos de organização, como, por exemplo, na universitária, em que esses objetivos são freqüentemente amplos, ambíguos e difusos (Baldridge et al., 1982).

Diante desses conceitos e voltando o foco para a compreensão das racionalidades nas instituições de ensino superior no Brasil, pode-se afirmar que a universidade pública – que independe, para despesas de pessoal, de recursos de fonte própria – tem sua sobrevivência garantida pelo Estado e seus membros podem, portanto, utilizar a razão política como lógica de ação, combinada com a razão predominante em organizações burocráticas governamentais, nas quais é fundamental a obediência às normas, regras e hierarquia.

Para a universidade empresarial e uma parcela das chamadas comunitárias – que dependem totalmente de recursos de fonte própria – a sobrevivência parece ser fundamental no processo de tomada de decisão, uma vez que as leis de mercado interferem em sua existência. Em conseqüência, os seus membros tendem a considerar, em suas decisões, antes de tudo, as conseqüências econômicas. Isso não significa que a razão econômica é a única a orientar as decisões, pois podem também estar presentes, nesse processo, a razão política e a razão burocrática. Tendo em vista suas peculiaridades e o momento econômico pelo qual passam as instituições de ensino superior privadas, é correto pressupor que a sobrevivência seja uma variável crítica para a diferenciação entre essas instituições.

A luta pela sobrevivência de uma organização é resultado do cruzamento entre os alicerces da estrutura organizacional com o tipo de racionalidade predominante nos diferentes níveis decisórios e no processo real de tomada de decisão. Tal discussão torna-se imprescindível tanto para a universidade quanto para outras organizações, visto que a maior preocupação, seja de operários, seja de profissionais especializados, tem sido a garantia do emprego, que só é possível se for assegurada a sobrevivência da organização. Por outro lado, no que se refere às universidades de um modo geral, seus membros são enquadrados em sistemas de carreira e promoção que não privilegiam o desempenho e a produtividade: esses sistemas garantem a permanência dos membros se a organização sobreviver. Nesse sentido, a sobrevivência passa a ser tratada como se fosse o maior objetivo da organização. Pressupõe-se, então, que a sobrevivência pode ser caracterizada pelo grau de dependência da instituição de ensino em relação aos recursos de fonte própria, ou seja, recursos provenientes da venda de serviços (mensalidades e outras prestações de serviços).

Dependendo das características da organização, o processo de tomada de decisão obedece a uma lógica de ação que, com base em determinados valores, orienta a atuação dos indivíduos no alcance de seus objetivos: organizacionais, grupais ou pessoais. Essa lógica de ação é orientada por tipos de racionalidade que integram as premissas de valor, envolvidas nos processos antecedentes à decisão e à ação. Para Simon (1979), a escolha ocorre num ambiente de pressupostos – premissas que são aceitas pelo indivíduo como base para sua escolha – e o comportamento é flexível apenas dentro dos limites fixados por esses pressupostos. Portanto, as premissas não apenas antecedem a decisão e a ação, mas conferem-lhes um rumo específico, pois estão vinculadas aos elementos éticos e valorativos que exprimem os objetivos a serem atingidos.

Nesse cenário seria irreal afirmar que a racionalidade econômica não prescreve normas de ação – apesar da prioridade a outras formas de ação – uma vez que as universalidades também estão submetidas às regras de uma sociedade de mercado. O predomínio da racionalidade econômica em decisões e ações leva à adoção do modelo de tomada de decisão racional (Pfeffer, 1981) ou racionalista (Allison, 1971). De acordo com esse modelo, os eventos são resultantes de escolhas consistentes e atos racionais que visam ao alcance de um propósito único ou a um conjunto de preferências que caracterizam a ação. O comportamento é motivado por uma consciência calculada nas vantagens, de acordo com um conjunto de valores.

A realidade das instituições de ensino superior indica algumas racionalidades que se apresentam mais relevantes:

i. racionalidade burocrática: induzida pela ação dos órgãos regulatórios para a garantia de procedimentos e gabaritos pré-estabelecidos, além, da formalidade dos registros e sua publicidade;

ii. racionalidade operacional ou acadêmica:  é influenciada fortemente pelos atores de origem na academia e, bem exercida, é garantidora de procedimentos acadêmicos de excelência;

iii. racionalidade econômica: exercida pelos técnicos e gestores financeiros e visa garantir procedimentos ideais para as finanças empresariais;

iv. racionalidade política: decorrente da própria composição e modelo de gestão dos recursos humanos da organização (altamente especializado e politizado) servindo para mediar e atenuar as tensões;

v. racionalidade legal: regulamenta as relações ao mesmo tempo que permite a exploração das oportunidades através da regulação.

Diante de todas essas forças, após compreendê-las e identificá-las na organização, é evidente que a assertiva mais correta e consciente, é que as racionalidades que induzem aos procedimentos de decisão, devem considerar, especialmente, para a garantia inicial de sobrevivência e posterior perpetuação da organização, simplesmente ou complexamente: o equilíbrio das racionalidades.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALLISON, Graham T. Essence of decision: explaining the cuban missele crisis. Boston: Little Brown e Company, 1971.

BALDRIDGE, J. Victor et al. Estruturacion de políticas y liderazgo efectivo em la educacion superior. México: Noema, 1982.

BALDRIDGE, J. Victor. Power and conflict in the university. New York: John Wiley, 1971.

HARTWIG, Richard. Rationality and the problems of administrative theory. Public Administration, v. 56, p. 159-179, 1978.

KALBERG, Stephen. Max Weber’s types of rationality: cornerstones for the analysis of rationalizations processes in history. American Journal of sociology. Chicago: v. 85, n. 5, p. 1145-1179, 1980.

PFEFFER, Jefrey. Power in organizations. Massachusetts: Ballinger Publishing Company, 1981.

SIMON, Herbert. Comportamento administrativo: um estudo dos processos decisórios nas organizações administrativas. Rio de Janeiro: FGV, 1979.

WEBER, Max. Essays in sociology. New York: Oxford University Press, 1946.

WILSON, H. T.  Rationality and decision in science administrative. Journal of Political Science. Canadá: v. 6, n. 2, p. 271-297, 1973.

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